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Daily Routine by Cristina Ferreira

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Daily Routine by Cristina Ferreira

09
Fev18

E os sonhos...?


Cristina Ferreira

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Entrei no carro, tirei o casaco, coloquei o cinto. Arranquei e fui arrancada, absorvida pelos meus pensamentos... Na curta viagem, fiquei tão distante que só quando parei me apercebi que já tinha chegado a casa!

 

Tenho sonhos... Quem não os tem? Afinal dizem que o sonho comanda a vida! Há sonhos que são fáceis de alcançar, há sonhos que são talvez mais complicados. Nos primeiros, incluo os que dependem só de mim: eu analiso, eu avalio, eu penso, eu repenso... Se concluo: "Isto é um sonho para mim!" Luto por ele... Luto com unhas e dentes, esforço-me sem desistir até o concretizar! Mas se concluo: "Não! Isto não é um sonho para mim..." Encerro o capitulo. Divago e sonho enquanto me der prazer divagar e sonhar e quando concluo que basta, fico por ali!

 

No segundo grupo coloco os sonhos que dependem, não só de mim, mas também da colaboração de outras pessoas... Vou chamar-lhes "os sonhos de equipa". Nos "sonhos de equipa" somos sempre pelo menos 2, mas por vezes somos mais... Eu conheço a minha parte, eu sei o que consigo ou não fazer, o tempo que consigo ou não dedicar... De mim, eu sei sempre o que posso esperar... Normalmente os outros também sabem o que podem ou não esperar de mim... Sou uma pessoa previsível, confiável... Dedicada e sempre disponível! Disponível por vezes demais...

 

Os outros? Os outros são sempre uma incógnita para mim... Tenho dificuldade em confiar... Nunca sei até onde me vão apoiar, nunca sei até onde posso cegamente confiar... Nunca sei quando me vão desiludir, quando me vão abandonar... Talvez esteja a exagerar... Ou talvez eu seja demasiado perfecionista e exigente...

 

Mas sou assim e não sei ser de outra forma: gosto das coisas bem feitas, bem organizadas, bem determinadas! Não gosto de incertezas, não gosto de "Amanhã talvez consiga..." Não gosto de compromissos que falham... Não gosto quando não se dá importância a um sonho que é importante...

 

Ou será que é importante apenas para mim? Na dúvida, na incerteza, não gosto de "sonhos de equipa"... Não gosto de abstração, ausência ou palavras vãs... Não gosto de fracasso no final de projetos cujos cacos normalmente sobram para mim!

 

Todos os meus sonhos envolvem histórias boas e histórias más... Todos os meus sonhos envolvem pedaços que me deixam feliz e pedaços que, na incerteza, me fazem sufocar e com os quais não sei lidar... Vale a pena eu manter um sonho assim ou é mais simples desistir? Fugir, virar costas, virar a página, esquecer de vez... Desistir! Sim, desistir... Desistir só dói uma vez... Sonhar magoa e volta a magoar... Desilude e volta a desiludir!

 

Aprendi nas sessões de meditação que é importante aprender a aceitar as coisas como elas são. Aceito que tenho um sonho? Aceito que não sei lidar com as personalidades do resto da equipa? Aceito que me angustiam e me sufocam? Aceito que me aterrorizam mas continuo para ver até onde isto me leva? Ou aceito que o melhor é desistir e simplesmente fugir?

 

Por vezes penso que o que nos faz sentir vivos são os sonhos e as emoções que eles nos proporcionam... Afinal o que seria uma vida sem emoções? Vida vazia não seria vida, não valeria a pena ser vivida! Por vezes penso que a minha vida deveria ser uma "linha": sem sonhos, sem expetativas mas também sem desilusões! Uma bela linha reta sem principio nem fim, sem alterações, sem interrupções... Apenas e só uma linha sem oscilações! Uma reta, apenas e só uma reta... 

 

Desliguei o motor. O silêncio abrupto e repentino desligou o fluxo dos meus pensamentos... Abri a porta e sai do carro. Respirei fundo e ouvi o chilrear dos passarinhos... Sorri: estava à porta de casa...

06
Fev18

E eu que sou apenas nada...?


Cristina Ferreira

 

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Todas diferentes, todas iguais? Não!

 

Há mulheres que são mágicas, que têm dons, que são verdadeiramente enfeitiçadoras e são essas que são eternamente desejadas... Há atrizes, há cantoras e há modelos... Há bailarinas, há acrobatas e há desportistas... Há mulheres fascinantes que pelos seus desempenhos hipnotizam e encantam!

 

Há mulheres que sobressaem na profissão: elevados cursos académicos, doutoramentos, bons ordenados e carreiras fulminantes! Há empresárias de sucesso, há mulheres empreendedoras e dedicadas à profissão!

 

E há eu... Eu? Eu que simplesmente não sou nada...

 

Eu que não tenho nenhum talento especial... Eu que não sei dançar, eu que não sei artes marciais, eu que nunca subi a um palco... Eu que sou apenas um nada no meio do nada...

 

Eu que não acabei o curso superior e que mesmo que tivesse acabado, entre doutorados elevados, não seria valorizado... Eu que um dia tive a coragem de trabalhar por conta própria e agora me escondo na toca... Eu que nos últimos anos saltito de emprego em emprego à procura de alguma fugaz estabilidade...

 

Eu sem dom, eu sem curso, eu sem nada que por este mundo vagueio no nada... Eu que me limito a passar sem chamar à atenção... Eu que se teimo em não chamar à atenção passo despercebida... Eu que sou invisível até para quem está ao meu lado... 

 

Às vezes penso que sou... Às vezes penso que existo... Às vezes penso que me vêm e sou vista... Mas depois percebo que não... Que foi apenas um momento, uma doce ilusão... O nada não existe, o nada não se vê... Para merecer ser olhada deveria ser bela e chamar à atenção, para merecer ser olhada teria de ter um dom, para merecer ser olhada teria de ser diplomada... E eu sou apenas nada... Um nada que nem sequer nada pois eu nem sequer sei nadar!

 

E ser nada não é nada... Ser nada é não estar mesmo quando se está... Ser nada é não ser ouvido mesmo quando se fala... O rosto de quem está ao lado do nada vai sempre olhar para o outro lado... O rosto de quem está ao lado do nada é atraído pela beleza do dom de quem têm dom... O rosto de quem está ao lado do nada é atraído pela beleza da realização de quem teve um dia capacidade para hoje ser realizada... 

 

O dom natural e a realização profissional são fruto de admiração. Admiração leva ao desejo e o desejo ao amor... O nada não consegue ser admirado, logo o nada não é desejado, o nada não poderá ser verdadeiramente amado...

 

O nada não é nada... O nada não se vê... O nada não se sente, mas sente... Eu que não sou nada sonhava ser amada apenas por não ser nada... 

 

 

31
Jan18

Envelhecer... Começa no olhar...


Cristina Ferreira

 

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É verdade que os anos vão passando.... É verdade que está escrito por aí que eu nasci em 1973, é verdade que eu hoje tenho 44 anos, é verdade que eu farei 45 anos em outubro. É verdade que certamente já vivi metade da minha vida... Mas é verdade também que nunca até hoje pensei que me pudesse acontecer a mim... É oficial: estou a envelhecer!

 

Olho para o espelho e não vejo cabelos brancos. É verdade que estão disfarçados pelas camadas e camadas de tinta loira que já uso há tantos e tantos anos que já nem recordo qual a cor natural dissimulada lá por baixo! Sim talvez eles espreitem e teimem em aparecer, mas enquanto os puder disfarçar, disfarçarei! Não pertenço aquele grupo de mulheres apologistas da cor natural cujos cabelos brancos sonham um dia exibir com orgulho... 

 

Olho para o espelho e à volta dos olhos e dos lábios já vejo umas linhas fininhas... Diariamente, de manhã e à noite, já há muitos anos e sem abrir exceção, sigo uma rígida rotina de cuidados faciais: desmaquilhar, anti-rugas e contorno de olhos. A rotina diária complemento-a com esporádicas esfoliações e máscaras... Sim uso e abuso do que estiver ao meu alcance para adiar o aparecimento de novas linhas! E sorrio... Sorrio muito pois dizem que se sorrirmos muito as rugas aparecem nos pontos certos e ao invés de enfear o rosto, continuarão a embelezá-lo!

 

Acreditava naquela expressão que quando começamos a envelhecer começamos a usar: "A idade não importa! O que importa é a mente! A mente não envelhece..." Nunca senti as minhas forças falharem... Cansada fisicamente só mesmo quando exagero no ginásio! Sou saudável, felizmente sempre fui... Nunca estou doente! Na brincadeira até costumo dizer que o Universo sabe que eu não posso ficar doente... Longe da família e com o ex-marido no estrangeiro quem tomaria conta dos meus meninos? 

 

Hoje percebo o quanto era absurdo e até presunçoso da minha parte, mas sempre pensei que enquanto eu recusasse envelhecer não envelheceria! Esta minha mania de ver o copo sempre meio cheio e de querer olhar sempre para o lado bom da vida!

 

Um dia, estranhamente as letras começaram a bailar nas folhas dos meus livros e para as parar e obrigar a ficar sossegadas eu comecei a ligeiramente afastar-me para trás! Inicialmente não percebi... Mas as dores de cabeça que lentamente chegaram depois não deixaram margem para dúvidas!

 

Segundo o médico ligeiramente idoso que me atendeu com um sorridente "Bem vinda ao grupo!" e que me presenteou com um belo discurso sobre a idade e a progressão da diminuição da visão, até aqui tive muita sorte! "Normalmente", explicou ele, "a visão começa a fraquejar aos 40 anos... Parabéns! Já está 4 anos atrasada!" Bem ganhei 4 anos, mas confesso que mesmo assim apanhou-me desprevenida... Eu velha e com óculos por causa da idade? 

 

Fui busca-los hoje e mostrei-os aos meus meninos. O meu bebé grande olhou-me com alguma tristeza mas acariciou-me suavemente a nuca com um: "Até te ficam bem mamã... Ficas só com um ar um bocadinho mais velha!" Já o meu menino grande olhou seriamente para mim e com revolta protestou: "Não te quero ver com óculos! Não quero que sejas velha!"

 

"Calma! É só para ler!" consegui eu consolar... Estranho como consigo sempre buscar forças para os consolar mesmo quando por dentro eu estou cheia de medo... Será este apenas um simples pontinho no meu ainda longínquo e distante inicio de processo de envelhecimento... Viverei ainda saudável por muitos e muitos anos? Ou será o inicio da minha decadência física? Que virá a seguir? Dores musculares? Surdez? Memória? Dentadura?

 

Bom parece que chegou o momento de aceitar com carinho a sorte de ter apenas um pequeno problema de visão que se resolve com uns óculos de pôr e tirar... e de me dedicar a elaborar uma lista das coisas positivas do envelhecimento para o copo, que momentaneamente meio vazio ficou, meio cheio voltar a ficar!

29
Jan18

Pensamentos soltos... ou balanço do fim de semana...


Cristina Ferreira

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Planeara fazer limpezas este fim de semana: daquelas limpezas sérias e profundas com direito a lista! O topo da lista estava encabeçado pelo primordial e inadiável objetivo de me desembaraçar dos vestígios de humidade que lentamente teimam em brotar pelos tetos da casa de banho e da varanda! Há quanto tempo andava eu a adiar? Talvez um mês, talvez mais... Mas como era pouquinho, deixava estar... 

 

Sábado à tarde arregacei decididamente as mangas e comecei por atacar furiosamente a varanda! Só parei quando acabei! Orgulhosa, mas de rastos, aterrei no sofá! O plano era parar apenas por uns breves minutos para descansar e continuar logo em seguida, conforme planeado... Mas o sofá levou ao Zapping...  O Zapping levou ao TV Cine Séries e: "Olha a repetição do Game of Thrones!"

 

Nunca vira os episódios iniciais: começara pela 7ª temporada antecedendo-a de um resumo no Youtube para me situar! "Vou só espreitar, não há risco de me interessar!" pensei eu inocentemente pois ficara desiludida com a não ação da 7ª temporada... E cliquei "VER". Temporada 1 - Episódio 1.

 

O tempo voou! "Afinal a série até é boa!" pensei eu no final do episódio.  "Ainda é cedo, vou ver o segundo..." e uma hora mais tarde: "Já agora o terceiro!" Resultado? O teto da casa de banho ficou por limpar e acabei por devorar a totalidade da primeira temporada: os 5 primeiros episódios no sábado e os 5 últimos no domingo! Os segundos acrescidos do 1º da segunda temporada! 

 

Hoje de manhã, veio o vazio...

 

Cansaço? Afinal acabei por dormir tarde duas noites seguidas para ficar em frente à televisão! Sensação de dever não cumprido? Afinal o objetivo para o fim de semana era limpar os tetos e estudar português e, se ainda limpei uma parte do planeado, no português nem sequer toquei! Sensação de tempo perdido? Ou simplesmente o pico de descida após a euforia e o entusiasmo? 

 

Houve uma época em que eu finalmente percebi que quanto mais alto o meu humor subia, mais baixo a seguir descia... Como um gráfico constantemente oscilante, como um pêndulo que eternamente balança: quanto mais alto sobe mais baixo desce! Por mais feliz que em algum momento eu me sentisse, inevitavelmente e sem razão aparente, a seguir vinha o vazio...

 

Tempestade após a bonança? Impermanência? Como se explica o vazio que às vezes espreita? Será que todos o sentem? Como é possível sentir o vazio após um fim de semana tão tranquilo?

 

Na minha juventude, durante anos e anos a fio, eu pensava que eu era uma pessoa melancólica ou simplesmente demasiado sensível. Justificava-o com o facto de ser filha de emigrantes: a consciência do ir e voltar, do despedir e da saudade constante, haviam-me marcado e moldado para sempre... A noção sempre presente de que, crescendo eu numa aldeia do interior, um dia seria a minha vez também de partir... 

 

Será por isso que eu penso demais, que eu observo demais? Hoje percebo que talvez tenha sido sempre o medo do vazio... O medo da tristeza de eu partir e de eu os deixar, o medo de eles partirem e me deixarem... Eles? Os pais, os filhos, a família, os amigos... Os que fazem parte da minha vida e vão ficando ou ficarão para trás...

 

O pai dos meus filhos também está no estrangeiro. Os meus filhos também vão e voltam enquanto eu fico cá ou o pai fica lá... O pai também vem e vai enquanto eles ficam cá... E se um dia os meus filhos também forem contagiados por esta cruel melancolia?...

 

São só as voltas que a vida dá... São só pensamentos soltos que por mim vagueiam... Confusos? Sem nexo? Apenas difíceis de entender? Talvez... Sei lá... 

22
Jan18

"Não quero perder o meu cabelo, querida..."


Cristina Ferreira

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"Amanhã não venho, tenho uma consulta..." Fiquei a olhar para ela... Ainda estávamos na sala onde tínhamos acabado de fazer a aula de Ginástica Localizada. "Não deve ser nada grave..." pensei. "Rotina? Coisas de mulher? Talvez seja melhor eu não perguntar..."

 

Ela continuou a olhar para mim com ar de quem precisava de desabafar... Eu hesitei mas perguntei: "Mas está tudo bem D. Barbara?Suspirou, sorriu e arrastadamente respondeu-me: "Não querida...Eu, que ainda estava alongar, levantei-me e perguntei-lhe surpreendida: "Então, que se passa D. Barbara? Alguma coisa grave?

"Eu tenho cancro, querida..."

 

Senti-me paralisar... Sem saber o que dizer, fiquei ali parada a olhar para ela enquanto me contava que o tinham descoberto por acaso numa consulta de rotina... Não tem dores, não sente nada... Mas tem cancro e ainda não consegue acreditar... 

 

Alta e loira, de olhos verdes grandes e expressivos, a D. Bárbara é uma daquelas senhoras da "alta sociedade". Uma Barbie linda e elegante, de olhar meigo e sorriso delicado, possuidora de uma energia contagiante...

 

"Não vou fazer os tratamentos querida... Fui enfermeira e vi de tudo no hospital... Nesta idade prefiro morrer!"

 

Conheço a D. Bárbara há quase 3 anos, mas nunca trocáramos mais do que meia dúzia de palavras no início ou no final das aulas. Não sei porque hoje me escolheu a mim para desabafar... 

 

Quando cruzava com ela, eu não conseguia evitar sorrir e pensar: "Espero envelhecer assim..." Imaginava-a quando jovem, linda como uma Brigitte Bardot... Acompanhei-a pelo corredor e, antes de virar, lançou-me um "Não quero perder o meu cabelo, querida...

20
Jan18

E quando valores mais altos se alevantam...


Cristina Ferreira

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Na vida fazemos escolhas, tomamos decisões, decidimos entre opções... Às vezes certas, às vezes erradas... Às vezes impulsivas, às vezes devidamente ponderadas... Às vezes seguimos o nosso coração, às vezes decidimos com alguma objetividade... Às vezes escolhemos o que é deveras melhor para nós, às vezes optamos simplesmente pelo que é mais fácil de alcançar... Às vezes lutamos com todas as nossas forças, às vezes deslizamos apenas, e sem esforço, na corrente... Quando um dia somos forçados a parar e a observar, corremos o risco de, a custo, nos apercebermos que nos limitámos a descer o rio a flutuar...

 

Aos 40 anos fiquei pela primeira vez desempregada: sem planos, sem ideias, sem saídas... Senti-me a bater no fundo, completamente perdida e à deriva! Limitando-me a flutuar, o rio tinha-me arrastado para águas nas quais nunca dantes imaginara um dia vir a navegar... Olhando para trás, na tentativa vã de apurar o percurso que me levara até ali, questionei as minhas escolhas passadas...

 

Nasci em França e aos 12 anos regressei à aldeia natal dos meus pais. Cresci no interior e quando chegou o momento de entrar na Universidade, candidatei-me ao Instituto Politécnico da Guarda para o mais perto possível deles ficar. Fiz um Bacharelato em Comunicação Social e Relações Públicas e, quando terminei, fui fazer estágio numa empresa na qual comecei em seguida a trabalhar.

 

Fizera as cadeiras todas do curso, mas como comecei a trabalhar, nunca completei nem entreguei o relatório de estágio. Sempre empregada, por conta de outrem e 8 anos por conta própria, ignorei totalmente o peso da formação... Ao ficar desempregada fui forçada a analisar pela primeira vez o peso das minhas escolhas passadas...

 

Foi nessa altura também que fui confrontada com uma das frases mais inesquecíveis que algum dia o meu menino grande me disse. No meio de um aceso debate após um daqueles típicos sermões de mãe para filho sobre "Tens de estudar e ser um bom aluno...", olhou-me seriamente, olhos nos olhos, e perguntou-me: "Mamã, tu era boa aluna, não eras?" Não percebendo a pergunta, eu respondi-lhe o que ele já sabia: "Sim..." Inocentemente e de olhos arregalados, ele então exclamou: "E olha onde acabaste!!" E eu olhei: tinha-me tornado numa uma mãe desempregada, deprimida e desesperada... A empresa falira e pela primeira vez eu não fazia a mínima ideia do que ia fazer a seguir...

 

Desde então, oscilo entre empregos e estou longe de alcançar a estabilidade que aos 20 anos imaginava que iria ter ao chegar aos 50. Fruto da nossa sociedade? Muitos na minha faixa etária se encontram na minha situação? Talvez... Seja como for ao analisar o meu perfil profissional percebi que apesar de me considerar uma pessoa dinâmica, organizada e com experiência, fluente em francês e inglês e com conhecimentos de espanhol, para todos efeitos eu só tenho o 12º ano! 

 

Tenho consciência de que mesmo que consiga novamente entrar para a Universidade e completar nova licenciatura, nos dias que correm, isso pouco ou nada se refletirá no valor do meu ordenado... No entanto sinto como que "valores mais altos se alevantam" e é agora ou nunca! Sinto que esta é a minha ultima oportunidade e que com unhas e dentes tenho de a agarrar!

 

Estamos sempre a tempo de recomeçar, de mudar, de nos reinventarmos... Já tenho 44 anos? Não! Só tenho 44 anos! Quero voltar a ter sonhos e planos e quero lutar por eles! Eu estou, eu sei, na segunda metade da minha vida e o rio continuará a descer a arrastar-me em direção ao mar... Mas ainda não "acabei", ainda me faltam muitos anos para lá chegar... Posso flutuar, posso nadar, posso parar quando me apetecer parar, posso observar as praias e a vegetação, posso aprender coisas novas... 

 

Neste momento, todo o meu tempo livre é dedicado a estudar português para a preparação do Exame Nacional! O que custou foi começar! (texto que escrevi a 5 de Dezembro de 2017). E que maior inspiração para recomeçar do que o grandioso Luís Camões que estou agora a estudar? 

 

 

11
Dez17

A Ana e o verdadeiro valor das coisas...


Cristina Ferreira

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Ontem a tempestade Ana também passou por aqui... No final do dia, o vento sibilante uivava e soprava ameaçador fazendo a chuva embater estrondosamente contra as janelas...  Cenário digno de um filme de terror, mais digno e assutador se tornou quando a luz faltou! Antes de acabar o jantar, ficámos às escuras...

 

Na aldeia, quando eu era adolescente, tal cenário era habitual: uma chuvada e um vento mais forte eram inevitavelmente acompanhados de um medonho apagão! Apagão esse que se à noite começava, pela noite dentro se prolongava... E eu, obrigada a andar pela casa de vela na mão, deslocava-me apressadamente aterrorizada pela companhia das sombras que, sorrateiramente passeavam pelas paredes, quais monstros que pela casa escura me perseguiam!

 

Hoje em dia, é muito raro faltar a luz, mas a Ana fez das suas e cá em casa o pânico instalou-se!

" - E agora não temos lanternas! Será que temos fósforos!? Onde estão as velas?!"

" - Oh! Se a luz não voltar, como vamos ligar o micro-ondas ou a placa de indução? E se amanhã o portão da garagem bloquear?"

" - E o telemóvel, mamã? E o i-pad? Se ficarem sem bateria? Oh bolas não há net!!!"

 

Preocupações bem diferentes das de há 30 anos atrás!

 

Volvida nem meia hora, tranquilamente, a luz voltou ... Mas enquanto voltava e não, aproveitámos a escuridão para tagarelar observando os luxos que hoje em dia temos e já nem notamos ou só notamos quando nos falham... A luz, a água, os electrodomésticos, o carro... a TV e a net!

 

Quando a luz voltou, a nossa rotina noturna continuou calma e tranquila... Mais tarde, antes de ao som da chuva adormecer, eu dei por mim a agradecer as pequenas coisas e a grande sorte que eu tenho... e a pensar em quantas vezes também só nos apercebemos do que temos após o perder... Um familiar presente, um relacionamento, uma amizade... Pensei não nas coisas, mas nas pessoas... Naquelas pessoas que simplesmente por estarmos tão acostumados a ter do nosso lado, a presença por vezes já não valorizamos... 

30
Nov17

Os pequenos momentos...


Cristina Ferreira

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Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. Há mudanças que acontecem na nossa vida, que à primeira vista parecem negativas, que acabam por se revelar o melhor que nos poderia acontecer! Abrem-se outras portas, outros horizontes... Criam-se novas rotinas e, surpreendentemente e quando menos se espera, a vida fica simplesmente mais bela... 

 

Pela primeira vez, desde há muitos meses, para não dizer anos, depois dos meus altos e baixos, depois de tudo o que dolorosamente ficou para trás, sinto que finalmente estou exatamente onde deveria estar!

 

Posso afirmar com convicção que neste momento estou na pior situação profissional em que alguma vez estive! No entanto, o valor mais baixo de salário que agora recebo é compensado com menos stress, menos pressão, menos responsabilidade, menos horas extras... e, cereja no topo do bolo: almoço em casa com os meus filhos! Às vezes com um, às vezes com o outro, às vezes com os dois. Um luxo a que eu nunca tinha tido direito!

 

Atentos ao blog, os meus meninos proibiram-me de contar aqui situações demasiado pessoais! Não podendo descrever a situação, posso descrever a sensação: a enorme felicidade que senti por ter tido a sorte de ter estado, hoje ao almoço, na hora certa, no momento certo, para dizer a palavra certa quando o meu menino precisou de a ouvir!

 

Falhei muito momentos ao longo dos anos... Muitas vezes devia ter estado e não estive, muitas vezes estive mas estava demasiado sufocada em preocupações para lhes dar a total e merecida atenção... Esta mudança profissional, que inicialmente parecia a pior coisa que poderia acontecer-me, permite-me ser exatamente aquilo que eles precisam neste momento: uma mamã mais tranquila e atenta, mais presente e observadora, capaz de dar o apoio necessário nesta fase de transição.

 

A vida é cheia de cores, de pequenas coisas, de pequenos presentes... A vida é cheia de pequenos momentos que passam despercebidos se não estivermos atentos...

 

Não sei onde a vida me irá levar, mas hoje senti que estou exatamente onde devia estar: diariamente em casa para almoçar!